quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Comboios para o nosso tempo

A caba de sair o Boletim N.º 6 (Novembro/Dezembro de 2016) da Comboios XXI, uma associação de utentes de âmbito nacional, com sede em Braga. Ele está já a ser divulgado e distribuído pelos associados. 

Neste número, que fecha o ano de 2016, colocam-se algumas perguntas que têm sido feitas e que continuam à espera de resposta. Assim, entre muitas outras, registamos estas que são mais do interesse da região: 


Neste momento, os comboios rápidos que existem na linha Braga-Porto apenas o são entre Braga e Travagem (e vice-versa). Travagem é um apeadeiro antes de Ermesinde, no sentido Braga-Porto. Ora, quando teremos comboios que permitam uma viagem rápida desde Braga até Porto São Bento? 

Por outro lado, tem sido frequente verificar que os comboios urbanos, mormente os que fazem a ligação Braga-Porto, circulam sem som, nem imagem para informação dos utentes. Será que esta situação, que é penosa, principalmente de noite, tarda muito a ser corrigida? 

É inaceitável o preço da viagem por comboio Alfa entre Braga e Porto e vice-versa. Atualmente esse preço é de EUR14,20 euros, em segunda classe. No Intercidades, por sua vez, tem um custo de EUR11,70. Estes preços são idênticos, quer para o percurso Porto-Braga, quer para o percurso Porto-Famalicão e vice-versa. Preços igualmente elevados existem para o percurso Porto-Guimarães. Torna-se claro que a vontade da CP é afastar os passageiros destes comboios. Não se compreende qual a razão, até porque, nestes percursos, os comboios muito raramente vão cheios.
Quando teremos um preço razoável por estas viagens? 


Sucede ainda que, por vezes, há ligações entre as duas cidades nas quais os passageiros têm de fazer a viagem de pé. Não se compreende que a CP não resolva este problema que é de comodidade, mas também , e principalmente , de segurança. 

Para ter informação mais detalhada sobre a Associação Comboios XXI, acompanhe-a através: http://comboiosxxi.blogspot.pt/ 

comboiosxxi@gmail.com 

PS: Viram os leitores na RTP, na 2.ª feira, dia 26-12-2016 um documentário sobre “Amanhã”? Como poderá ser o mundo de amanhã se não agirmos? Vi parte e vou procurar ver com mais tempo. Precisamos de uma economia ao serviço das pessoas. 

in Diário do Minho

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O Expresso do dia 3 de dezembro de 2016

Observemos o semanário Expresso do dia 3 de dezembro de 2016 tal como me foi entregue no quiosque onde o comprei no passado domingo.
Na primeira página aparece, com largo destaque, a fotografia de um bom carro e quatro argolas juntas, indicando a marca. A este propósito não me venham dizer que essa não é a primeira página, que se trata de uma mera página de publicidade. Não! A verdade é outra: a primeira página do Expresso é publicidade e um pouco de vergonha ainda existe, felizmente, pois no canto superior surgia o seguinte título: “O Dinheiro Escondido dos Melhores do Mundo” que era a notícia principal da 2.ª página do jornal.
 

O Expresso tem muitas páginas e vejamos o que me meteram no saco para além do “Caderno Principal” (42 p.), que costuma ter interesse.
Desde logo, um caderno sobre “Economia” (32 p.), que também tem algum interesse.
 

Depois, uma revista intitulada “Natal”, publicidade do “El Corte Inglés” ( 228 p.,) que é um hino ao consumo e um insulto ao Natal cristão (mas já nos habituamos) e uma pequena revista de 22 páginas intitulada “Feliz Natal” e que é publicidade a produtos vendidos pelo Continente (também já achamos natural) Ainda uma revista de 16 páginas com o título “Transformação Digital” dedicada às novas tecnologias; uma revista de 16 páginas sobre “Emprego” que tem interesse para quem se encontra à procura de emprego; e um suplemento de 16 páginas sobre “Golfe” com muita publicidade destinada particularmente a quem tem dinheiro que baste.
 

A finalizar, uma Revista grande com 106 páginas que tem na capa a foto de uma mulher jovem e sorridente deitada numa cama com um crucifixo ( joia) na mão esquerda e um lençol por cima de parte do corpo. É, pelo que se lê no interior, uma boa fadista.
Título destacado na parte lateral da capa: “96 Sugestões de Presentes de Natal”.
Ainda dentro desta mesma Revista veio um suplemento de formato pequeno com 28 páginas de publicidade sobre computadores e outros produtos de tecnologia com o título em destaque “NATAL RP” .
 

É claro que para tudo isto é preciso um saco de plástico para fazer o transporte. E que diz o saco? Que o Montepio é que é bom. Os leitores carregam o jornal e fazem publicidade ambulante.
Pergunta final: e então porque comprei o Expresso? Porque no meio de tanta porcaria costuma ter coisas de interesse no dito 1.º Caderno e na Revista. Mas num balanço geral começo a perguntar-me se vale a pena gastar 3,20 euros. Sinto-me maltratado. 


in Diário do Minho

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Comemorar a Restauração da Independência

Temos o costume, na família, de comemorar o dia 1 de Dezembro de 1640, o dia da restauração da Independência de Portugal.
Deslocamo-nos a Guimarães, porque esta bela cidade honra devidamente esta data. Acompanhamos os “20 arautos de D. Afonso Henriques” desde o centro histórico, percorrendo, num desfile que junta muitos participantes, ruas de Guimarães em direção ao Paço dos Duques até à estátua de D. Afonso Henriques, entoando o Hino da Restauração.
Junto à estátua são proferidas, por personalidades locais, palavras breves alusivas à efeméride e é interpretado por um grupo coral nomeadamente o Hino da Restauração e o de Portugal. É uma cerimónia simples mais cheia de simbolismo.
A independência de Portugal é algo de que nos devemos orgulhar. A ela devemos que a língua portuguesa seja uma das mais faladas no mundo e sem essa independência não teríamos seguramente um país com a grandeza do Brasil (veja-se a América Latina espanhola) e se mesmo assim ele existisse falaria castelhano e não português. A língua portuguesa, por sua vez, não estaria espalhada pelo mundo como está.
Temos pelos espanhóis e pelas nações de Espanha muito carinho (ainda mais agora que o horrível terrorismo basco pertence , esperemos que para sempre , ao passado), mas Portugal é diferente, tem a sua identidade e é seguramente da Galiza que estamos mais próximos, tendo uma língua comum na origem.

A nossa independência não significa, não deve significar nunca isolamento. Devemos com as nossas caraterísticas, com a nossa história e com o nosso modo de ser contribuir para a construção de grandes espaços de convivência fraterna não só a nível europeu (uma melhor Europa, pois ela está a viver atualmente momentos difíceis) como a nível mundial. Portugal é um país aberto ao mundo.
E com a vizinha Espanha há uma luta comum que não podemos descurar: a luta contra o despovoamento do interior. Escrevo a partir da cidade da histórica Guarda e aqui sente-se bem esse grave problema.
Portugal sem a sua parte leste robustecida será um país desequilibrado e pobre. E há tantas potencialidades no interior.
Finalmente, comemorar a Restauração é também , e ainda , uma forma de comemorar os 40 anos da
Democracia fundada na Constituição que felizmente vivemos e temos o dever de aprofundar e melhorar.
in Diário do Minho

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Guerra ou Paz?

(revisto pelo autor)

Ouve-se dizer, frequentemente, que já estamos em guerra ou que vem aí uma guerra. Com isso quer-se dizer que os tempos de Paz que vivemos desde o fim da II Grande Guerra em 1945 (há mais de 70 anos) acabaram ou estão prestes a acabar. E há quem diga isto naturalmente como se fosse uma solução para os problemas que atualmente vivemos.
Tenhamos juízo! Se um dia – e esperemos firmemente que não! – houver uma nova   Grande Guerra os vindouros dirão que vivemos nestes últimos 70 anos um período de ouro na nossa história, pois os horrores de uma guerra de largo âmbito nos dias de hoje são inenarráveis, dados os meios bélicos que existem.
O que aconteceu até agora com as Torres Gémeas nos Estados Unidos, os atentados em Madrid, Inglaterra e França, bem como as guerras do Médio Oriente serão coisas menores (ínfimas) perante o que sucederia numa guerra mundial.
Já se imaginou o que é lançar bombas atómicas que estão armazenadas e só esperam por uma loucura dos homens para serem disparadas? Já se imaginou bem os efeitos de outras armas horrorosas que os países  já inventaram ou estão a inventar ? Pensemos um pouco.
E haverá loucos, perguntar-se-á,  que desencadeiem um tal horror? A meu ver, não estamos de nenhum modo seguros. Veja-se o perfil  de altos líderes políticos em exercício ou candidatos e tema-se muito não só que dizem, mas  o que não dizem mas pensam. Veja-se com preocupação os problemas que atravessa a nossa Europa. Veja-se o que se tem passado  no Médio Oriente. Tema-se uma profunda e generalizada crise económica ou o colapso de grandes países como a China ou a Índia. O pior é possível…
É nosso dever como cidadãos do mundo  lutar com todas as forças pela Paz. E desde logo contra aqueles que aceitam como inevitável  uma guerra como nunca houve até hoje. Estejamos sempre  do lado da Paz e trabalhemos incessantemente  por ela.


PS – Os incêndios destes primeiros  dias de Agosto de 2016  no nosso país dizem-nos bem do mal que acontece e que poderia ter sido evitado. Houvesse uma boa política florestal, cuidando devidamente das florestas e matas durante  todo o ano, houvesse uma política criminal eficaz e eficiente que pusesse de quarentena (em termos jurídicos a estudar devidamente), na época de fogos,  os  pirómanos e tudo seria muito diferente.

in Diário do Minho

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Linha do Minho: Eletrificação até 2020?

Pode ler-se no Boletim n.º 2 da Associação Comboios XXI (julho de 2016), fazendo eco do que foi dito nos meios de comunicação social, que a Linha do Minho ficará eletrificada entre Nine e Valença em 2020. 
Esta foi a declaração feita, em Barcelos, pelo ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, mas foi apenas uma declaração política. E embora mereçam toda a atenção as declarações políticas, a realidade administrativa é outra coisa. 

Para a eletrificação ser real importa que se adjudique a obra a um empreiteiro (de qualidade) e isso implica abrir um concurso pela IP. 
Adjudicada a obra, importa que o contrato que lhe serviu de base tenha sido feito com todo o cuidado, prevendo a data de conclusão e entrega da obra (e não é o mesmo janeiro de 2020 ou dezembro do mesmo ano), o acompanhamento qualificado da mesma, medidas a tomar caso o empreiteiro não cumpra e aqui mais importante do que as sanções são as alternativas como, por exemplo, a entrega rápida a outro empreiteiro não vá suceder o mesmo que na eletrificação entre Caíde e Marco. 

Ao mesmo tempo e noutro plano, importa que a CP adquira material circulante moderno (com instalações sanitárias!) e assim igualmente abra um concurso, acompanhe a sua execução e preveja medidas alternativas para o não cumprimento do contrato. 

Assim sucederá? É aqui que a opinião pública, e com ela nomeadamente as autarquias locais, tem um papel da maior importância. Isto não é assunto apenas da IP e da CP, é assunto que nos diz respeito, pois é para nós cidadãos utentes que as obras e a aquisição de material circulante serão feitas. 
Por isso, importa desde já perguntar e saber estas e outras coisas: Sabendo-se que o concurso já foi aberto (estava previsto para março de 2016), a obra já foi adjudicada? E a quem? E como estamos de material circulante? Que composições vão ser adquiridas? Quais as suas caraterísticas? E estarão operacionais em 2020? Infelizmente, a informação quer da IP quer da CP está longe de ser exemplo de boa relação com os cidadãos. Parece que estes são vistos por aquelas empresas como um estorvo e não como um aliado (ver o Boletim n.º 2 da Associação). 

O nosso papel é antes de mais informar e assim faremos. Não é tarefa fácil quando quem tem a informação não a disponibiliza de modo claro, completo e fácil. O Alto Minho não pode ficar para trás numa linha que para sul é dupla e está eletrificada (Nine-Porto) e para Norte (na Galiza) está eletrificada e, em grande parte, tem já autoestradas ferroviárias. 
Estamos seguros que as autarquias da região e a CIM do Alto Minho não descansarão na defesa dos direitos das populações respetivas. 

Isto não é assunto apenas da IP e da CP, é assunto que nos diz respeito, pois é para nós cidadãos utentes que as obras e a aquisição de material circulante serão feitas.

in Diário do Minho

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Sobre o Serviço Nacional de Justiça

Costumamos utilizar na linguagem corrente a expressão "serviço nacional de saúde", mas não a de "serviço nacional de justiça" e, no entanto, bem deveríamos, pois há boas razões para o fazer. 

O serviço nacional de saúde visa fundamentalmente reparar situações de doença, restituindo aos cidadãos, a saúde; o serviço nacional de justiça visa, no seu núcleo essencial, reparar situações de injustiça, restituindo aos cidadãos a confiança na justiça. 

Para cumprir a sua missão, o serviço nacional de saúde utiliza principalmente organizações que chamamos hospitais e o serviço nacional de justiça utiliza tribunais. Existe assim, por todo o país, uma rede de hospitais e uma rede de tribunais de diversa espécie por forma a garantir o cumprimento da razão de existência de uns e outros. Historicamente, o serviço nacional de justiça é até muito mais antigo do que o serviço nacional de saúde. 

Nos hospitais pontificam os médicos, nos tribunais os magistrados (juízes, principalmente). Mas ainda aqui as semelhanças mantêm-se e mal da saúde e mal da justiça se vivessem só de médicos ou de juízes, pois não levariam a bom termo a sua missão. Há uma organização muito complexa sem a qual estes serviços não funcionam. As semelhanças são enormes e poderíamos continuar a desfiá-las, falando por exemplo do direito de acesso dos cidadãos à proteção da saúde e à justiça, mas as diferenças também. Sem entrarmos no núcleo do que é a prestação de cuidados de saúde ou do que é a administração da justiça, aí está a Constituição para nos dizer, por exemplo, que "os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" (artigo 202.º). 

Esta afirmação dos tribunais como "órgãos de soberania", que efectivamente são, teve ao longo das últimas décadas, um efeito perverso e constitucionalmente indesejado, que foi o de fazer esquecer (ou deixar para segundo plano) as exigências de serviço público da administração da justiça, serviço público muito especial que necessita para o seu bom funcionamento de juízes independentes e imparciais. E o que se exige de um serviço público de justiça? Algo que a própria Constituição claramente define: satisfazer o direito dos cidadãos a uma decisão judicial (sentença, em sentido amplo) de acordo com o direito em prazo razoável. 

Aqui chegados, a pergunta que se coloca é esta: está este direito devidamente garantido no nosso país? A resposta só pode ser dada com informação adequada, facilmente acessível e inteligível pelo cidadão médio.


in JORNAL PÚBLICO 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Os Atrasos da Justiça

Num livro de leitura obrigatória para quem se interessa pelo bom funcionamento da justiça – e que já tivemos ocasião de referir nestas colunas do DM – pode ler-se que “A celeridade é hoje um pilar essencial de um sistema de justiça que se pretenda de excelência” (Manual de Gestão Judicial – José Igreja Matos, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Nuno Coelho, 2015, p. 127). 


Ora, é sobre este pilar da justiça que Conceição Gomes, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, escreveu um ensaio intitulado “Os Atrasos da Justiça” publicado na coleção de bolso da Fundação Francisco Manuel dos Santos e que merece igualmente leitura atenta. Trata-se de um livro com pouco mais de 100 páginas, rigoroso no conteúdo mas de leitura fácil, percebendo-se que foi escrito a pensar no cidadão médio e estando disponível por apenas 5 euros. 


A autora tem a preocupação de fazer o devido enquadramento deste problema, que não é fácil de resolver, mas que tem solução e uma solução que deve ser procurada de forma inteligente e persistente. Não é possível aceitar passivamente, escreve, o “forte sentimento” que há na sociedade portuguesa de que “o tempo da justiça é muito lento, de que a justiça chega sempre tarde e, em alguns casos, irremediavelmente tarde” (p.11) e assim se compreende que afirme logo de seguida que “mais do que auxiliar os cidadãos portugueses a compreenderem porque a justiça se atrasa, espero que este ensaio ajude a transformar esse conhecimento em maior exigência social por uma justiça eficiente e de qualidade” (p.12). 


Rico de informações sobre a realidade portuguesa dos atrasos da justiça e das consequências negativas que daí resultam, nomeadamente a “fragilização do Estado de Direito” (p. 108) não encontramos nele soluções para este grave problema, não é o esse o seu objetivo, mas encontramos pistas para esse efeito e assim pertinentes remissões para instituições, estudos e outras publicações nacionais e internacionais que podem conduzir a bom porto. 


Acabado de ler este livro, datado de 2011, fica-nos a vontade de mais e leva-nos a incitar a autora a fazer uma 2.ª edição em que se reflita já sobre a reforma judicial de 2014 e integre também dados sobre a justiça administrativa e tributária. Também se justifica uma informação mais detalhada sobre números, embora os números, sem mais, sejam enganadores, como bem diz. 
Impressiona saber que em 2009, de acordo com as estatísticas da justiça “o volume das pendências mantém-se em níveis muito elevados” sendo então de 1.614.486 processos (p. 90). 


PS – Ouviram o relato da resposta que um menino, refugiado da Eritreia, de 5 anos, acolhido em Sintra, deu a uma pergunta que foi feita a crianças sobre o que levariam consigo se tivessem de fugir? Não foi um boneco, nem um livro ou coisa semelhante, foi a bébé! E a bébé era uma irmã de 3 anos que o menino tinha trazido ao colo durante a viagem! Como é grande a nossa insensibilidade perante o problema dos refugiados!

in Diário do Minho

quinta-feira, 24 de março de 2016

Terrorismo, Bruxelas e Páscoa

Não costumo escrever sobre política nacional ou internacional, pois embora seja tema do maior interesse já há quem muito escreva sobre ele e com maior conhecimento. De qualquer modo é difícil, depois dos atentados de terça-feira, dia 22, em Bruxelas, que causaram mais de 30 mortos e mais de 200 feridos, ficar indiferente e escrever sobre outro assunto. 
O que aconteceu interpela-nos e ainda mais nesta semana da Páscoa, pois para quem acredita que o nosso semelhante é nosso irmão, verificar que temos irmãos que são “bombas de destruição” abala-nos. Uma leitura destes acontecimentos, à luz desta semana maior, leva-nos a concluir que em cada pessoa o Bem e o Mal estão presentes e que muitas vezes este se sobrepõe. 

É evidente que há uma leitura política desta tragédia e que há quem mate em nome daquilo que se denomina “Estado Islâmico” lutando contra o inimigo que é a Europa (União Europeia). Mas essa complexa leitura política não pode afastar uma leitura que é de natureza mais pessoal. Como é possível haver pessoas que matam inocentes e se matam sem ter consciência do Mal que praticam? Antes de avançar é preciso ter presente que há pessoas, no nosso país, que igualmente matam e se matam. Não é por razões da mesma natureza, nem com o grau de destruição que se verificou em Bruxelas, mas há portugueses, bem portugueses, que por razões sentimentais, por razões de dinheiro ou outras, matam, inclusive inocentes, e se matam logo a seguir. 

Excluindo os casos de doença mental, voltemos a questionar-nos sobre as razões deste comportamento humano. Não tenho resposta simples, mas algo me diz que há aqui uma responsabilidade individual que não se pode ignorar. 
Não ignoramos, é verdade, a decadência da civilização europeia de que fazemos parte que tudo relativiza e em que parece não haver distinção entre o Bem e o Mal, nem ignoramos o fanatismo religioso, que em nome de Deus, pratica os maiores crimes, mas tudo isso pode quando muito explicar comportamentos desumanos, não os justificar. 

E a conclusão que podemos tirar deste tempo em que nos é dado viver é que nos cabe optar: estar do lado do Bem e lutar por ele, o que implica o maior respeito pelo semelhante e desde logo pela sua vida ou estar do lado do Mal com tudo o que isso significa, desde logo, o desprezo pelos outros. 

Não, não é de guerra que precisamos, mesmo quando nos matam, através desta guerrilha urbana com que vamos muito provavelmente ter de conviver. Do que precisamos, é de lutar por aquilo que o ser humano tem de mais nobre que é a capacidade de amar o próximo, sem prejuízo de lutar também pela justiça humana. Justiça, não vingança.

in Diário do Minho

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A Tentação da Resignação

É muito forte a tentação da resignação. Mesmo quando lutamos contra o que nos parece injusto, contra o que entendemos estar mal, a tentação de baixar os braços é grande. Perguntamos com uma resposta negativa já antecipada: Que podemos fazer? Que podemos fazer contra a má distribuição da riqueza, se alguns a conseguiram e ela não pode chegar a todos? Que podemos fazer contra o mau funcionamento dos tribunais, prejudicando os direitos dos cidadãos vítimas de injustiça? Que podemos fazer contra a corrupção quando ela é muitas vezes socialmente aceite ou tolerada? Que podemos fazer quando nos dizem, como me dizia, há tantos anos, o meu avô paterno, a propósito da política e da democracia, que não podemos endireitar o mundo? Se o homem é lobo do homem, que podemos fazer? E que podemos fazer quando nos dizem que a família tradicional está em declínio e que não tem o valor que, a nosso ver, tem uma família com pai, mãe e filhos (sempre que os houver)? Que podemos fazer quando vemos constantemente maus tratos e abusos de crianças indefesas e temos a sensação que pouco ou nada há a fazer? Que podemos fazer contra a publicidade de sexo nos jornais, se ela é muito lucrativa e necessária para eles sobreviverem? A lista de questões que nos interpelam, tantas delas muito incómodas, poderia desdobrar-se ao longo de muitas páginas e apenas nos sobra aqui espaço para dizer que nos parece possível, ainda que muito difícil, vencer a tentação da resignação. É certo que é mais a Fé (e não só a religiosa) do que a Razão a funcionar, mas que saibamos ter Fé ainda não é proibido. 
E, por exemplo, o que nos impede de proclamar que o direito de propriedade privada é um direito fundamental dos cidadãos e que, por isso, ela deve ser distribuída por todos e não ficar apenas nas mãos de alguns? O que nos impede de lutar por uma economia ao serviço das pessoas ? E porque têm os tribunais de funcionar mal, de ser mal geridos, quando há magistrados e profissionais que lidam com a justiça que não se conformam com tal situação? E o que nos impede de proclamar o valor da família? E porque devemos apoiar jornais que nos fornecem degradante publicidade de sexo em vez de outros que não seguem, felizmente, por esse caminho? É possível fazer tanta coisa, o problema é que isso exige muito de nós.
Deixemos para o fim a tentação de não ver no nosso semelhante, mesmo que seja o pior dos homens, um filho de Deus.
É na verdade pedir muito ver no pior dos homens um nosso irmão. Mas não será esta a última e maior tentação? A que fundamenta todas as outras? (Texto escrito depois de ouvir Fernando Alves da TSF a falar das palavras do Papa no México sobre a tentação da resignação e de ouvir as notícias de primeira página sobre o caso trágico das duas crianças, uma morta e outra desaparecida, levadas, em Cascais, para o mar pela Mãe).

in Diário do Minho