quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A Tentação da Resignação

É muito forte a tentação da resignação. Mesmo quando lutamos contra o que nos parece injusto, contra o que entendemos estar mal, a tentação de baixar os braços é grande. Perguntamos com uma resposta negativa já antecipada: Que podemos fazer? Que podemos fazer contra a má distribuição da riqueza, se alguns a conseguiram e ela não pode chegar a todos? Que podemos fazer contra o mau funcionamento dos tribunais, prejudicando os direitos dos cidadãos vítimas de injustiça? Que podemos fazer contra a corrupção quando ela é muitas vezes socialmente aceite ou tolerada? Que podemos fazer quando nos dizem, como me dizia, há tantos anos, o meu avô paterno, a propósito da política e da democracia, que não podemos endireitar o mundo? Se o homem é lobo do homem, que podemos fazer? E que podemos fazer quando nos dizem que a família tradicional está em declínio e que não tem o valor que, a nosso ver, tem uma família com pai, mãe e filhos (sempre que os houver)? Que podemos fazer quando vemos constantemente maus tratos e abusos de crianças indefesas e temos a sensação que pouco ou nada há a fazer? Que podemos fazer contra a publicidade de sexo nos jornais, se ela é muito lucrativa e necessária para eles sobreviverem? A lista de questões que nos interpelam, tantas delas muito incómodas, poderia desdobrar-se ao longo de muitas páginas e apenas nos sobra aqui espaço para dizer que nos parece possível, ainda que muito difícil, vencer a tentação da resignação. É certo que é mais a Fé (e não só a religiosa) do que a Razão a funcionar, mas que saibamos ter Fé ainda não é proibido. 
E, por exemplo, o que nos impede de proclamar que o direito de propriedade privada é um direito fundamental dos cidadãos e que, por isso, ela deve ser distribuída por todos e não ficar apenas nas mãos de alguns? O que nos impede de lutar por uma economia ao serviço das pessoas ? E porque têm os tribunais de funcionar mal, de ser mal geridos, quando há magistrados e profissionais que lidam com a justiça que não se conformam com tal situação? E o que nos impede de proclamar o valor da família? E porque devemos apoiar jornais que nos fornecem degradante publicidade de sexo em vez de outros que não seguem, felizmente, por esse caminho? É possível fazer tanta coisa, o problema é que isso exige muito de nós.
Deixemos para o fim a tentação de não ver no nosso semelhante, mesmo que seja o pior dos homens, um filho de Deus.
É na verdade pedir muito ver no pior dos homens um nosso irmão. Mas não será esta a última e maior tentação? A que fundamenta todas as outras? (Texto escrito depois de ouvir Fernando Alves da TSF a falar das palavras do Papa no México sobre a tentação da resignação e de ouvir as notícias de primeira página sobre o caso trágico das duas crianças, uma morta e outra desaparecida, levadas, em Cascais, para o mar pela Mãe).

in Diário do Minho