quarta-feira, 13 de abril de 2016

Sobre o Serviço Nacional de Justiça

Costumamos utilizar na linguagem corrente a expressão "serviço nacional de saúde", mas não a de "serviço nacional de justiça" e, no entanto, bem deveríamos, pois há boas razões para o fazer. 

O serviço nacional de saúde visa fundamentalmente reparar situações de doença, restituindo aos cidadãos, a saúde; o serviço nacional de justiça visa, no seu núcleo essencial, reparar situações de injustiça, restituindo aos cidadãos a confiança na justiça. 

Para cumprir a sua missão, o serviço nacional de saúde utiliza principalmente organizações que chamamos hospitais e o serviço nacional de justiça utiliza tribunais. Existe assim, por todo o país, uma rede de hospitais e uma rede de tribunais de diversa espécie por forma a garantir o cumprimento da razão de existência de uns e outros. Historicamente, o serviço nacional de justiça é até muito mais antigo do que o serviço nacional de saúde. 

Nos hospitais pontificam os médicos, nos tribunais os magistrados (juízes, principalmente). Mas ainda aqui as semelhanças mantêm-se e mal da saúde e mal da justiça se vivessem só de médicos ou de juízes, pois não levariam a bom termo a sua missão. Há uma organização muito complexa sem a qual estes serviços não funcionam. As semelhanças são enormes e poderíamos continuar a desfiá-las, falando por exemplo do direito de acesso dos cidadãos à proteção da saúde e à justiça, mas as diferenças também. Sem entrarmos no núcleo do que é a prestação de cuidados de saúde ou do que é a administração da justiça, aí está a Constituição para nos dizer, por exemplo, que "os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo" (artigo 202.º). 

Esta afirmação dos tribunais como "órgãos de soberania", que efectivamente são, teve ao longo das últimas décadas, um efeito perverso e constitucionalmente indesejado, que foi o de fazer esquecer (ou deixar para segundo plano) as exigências de serviço público da administração da justiça, serviço público muito especial que necessita para o seu bom funcionamento de juízes independentes e imparciais. E o que se exige de um serviço público de justiça? Algo que a própria Constituição claramente define: satisfazer o direito dos cidadãos a uma decisão judicial (sentença, em sentido amplo) de acordo com o direito em prazo razoável. 

Aqui chegados, a pergunta que se coloca é esta: está este direito devidamente garantido no nosso país? A resposta só pode ser dada com informação adequada, facilmente acessível e inteligível pelo cidadão médio.


in JORNAL PÚBLICO 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Os Atrasos da Justiça

Num livro de leitura obrigatória para quem se interessa pelo bom funcionamento da justiça – e que já tivemos ocasião de referir nestas colunas do DM – pode ler-se que “A celeridade é hoje um pilar essencial de um sistema de justiça que se pretenda de excelência” (Manual de Gestão Judicial – José Igreja Matos, José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes e Nuno Coelho, 2015, p. 127). 


Ora, é sobre este pilar da justiça que Conceição Gomes, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, escreveu um ensaio intitulado “Os Atrasos da Justiça” publicado na coleção de bolso da Fundação Francisco Manuel dos Santos e que merece igualmente leitura atenta. Trata-se de um livro com pouco mais de 100 páginas, rigoroso no conteúdo mas de leitura fácil, percebendo-se que foi escrito a pensar no cidadão médio e estando disponível por apenas 5 euros. 


A autora tem a preocupação de fazer o devido enquadramento deste problema, que não é fácil de resolver, mas que tem solução e uma solução que deve ser procurada de forma inteligente e persistente. Não é possível aceitar passivamente, escreve, o “forte sentimento” que há na sociedade portuguesa de que “o tempo da justiça é muito lento, de que a justiça chega sempre tarde e, em alguns casos, irremediavelmente tarde” (p.11) e assim se compreende que afirme logo de seguida que “mais do que auxiliar os cidadãos portugueses a compreenderem porque a justiça se atrasa, espero que este ensaio ajude a transformar esse conhecimento em maior exigência social por uma justiça eficiente e de qualidade” (p.12). 


Rico de informações sobre a realidade portuguesa dos atrasos da justiça e das consequências negativas que daí resultam, nomeadamente a “fragilização do Estado de Direito” (p. 108) não encontramos nele soluções para este grave problema, não é o esse o seu objetivo, mas encontramos pistas para esse efeito e assim pertinentes remissões para instituições, estudos e outras publicações nacionais e internacionais que podem conduzir a bom porto. 


Acabado de ler este livro, datado de 2011, fica-nos a vontade de mais e leva-nos a incitar a autora a fazer uma 2.ª edição em que se reflita já sobre a reforma judicial de 2014 e integre também dados sobre a justiça administrativa e tributária. Também se justifica uma informação mais detalhada sobre números, embora os números, sem mais, sejam enganadores, como bem diz. 
Impressiona saber que em 2009, de acordo com as estatísticas da justiça “o volume das pendências mantém-se em níveis muito elevados” sendo então de 1.614.486 processos (p. 90). 


PS – Ouviram o relato da resposta que um menino, refugiado da Eritreia, de 5 anos, acolhido em Sintra, deu a uma pergunta que foi feita a crianças sobre o que levariam consigo se tivessem de fugir? Não foi um boneco, nem um livro ou coisa semelhante, foi a bébé! E a bébé era uma irmã de 3 anos que o menino tinha trazido ao colo durante a viagem! Como é grande a nossa insensibilidade perante o problema dos refugiados!

in Diário do Minho