sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A greve, a democracia e os cidadãos

Diz-se sem a devida reflexão, a meu ver, que as greves se fizeram para causar danos e que quanto mais danos provocarem, nomeadamente aos cidadãos, mais se afirma o valor da greve.

Precisamos de ir à origem das greves para verificar se assim é. Elas surgiram com a Revolução Industrial, tendo a finalidade de defender os direitos dos trabalhadores perante os patrões. Daqui resultava que a greve atingia fundamentalmente os donos das empresas e o conflito confinava-se ao círculo das empresas em causa.

Ora, o que se verifica hoje é bem diferente, pois as greves atingem, não raras vezes, terceiros que não fazem parte do conflito, e antes são nele envolvidos, ora pelos patrões, ora pelos trabalhadores para alcançarem os seus fins.
Sucede, com cada vez mais frequência, nas complexas sociedades do nosso tempo, que os cidadãos são jogados como “armas de arremesso” para que as partes em conflito obtenham o que pretendem.  Essa situação não deve ser tolerada numa democracia.

Numa democracia, quando os cidadãos são envolvidos num conflito laboral, sendo atingidos em direitos tão importantes, como, por exemplo, o acesso a bens essenciais ou a saúde (lembre-se a greve cirúrgica dos enfermeiros), passam a ter direitos.

Desde logo, têm o direito de obter uma informação detalhada sobre o que está em causa no conflito laboral para saber as razões que assistem a uma e outra partes.
Depois, têm o direito de exigir que sejam utilizados e esgotados meios alternativos à greve para solucionar o conflito, de modo que esta seja efetivamente o último recurso a ser usado.

Nos conflitos laborais, quer em geral, mas especialmente quando estes possam atingir a generalidade dos cidadãos devem utilizar-se meios de resolução, como a mediação e mesmo, sempre que possível, a arbitragem.

E havendo necessidade de recorrer à greve, esta deve acautelar os direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente os direitos daqueles que têm menos possibilidade de se defenderem. Normalmente, são os cidadãos com menos recursos aqueles que mais sofrem.

Por isso é de exigir, em tais circunstâncias, que o Governo, qualquer que ele seja, atue no sentido de proteger os cidadãos, utilizando eficazmente os meios que têm ao seu dispor e que devem estar previstos claramente na lei.

Não se trata de um direito do Governo, trata-se, em democracia, de um dever.

Nenhum trabalhador, como nenhum patrão, individualment e ou organizados em sindicatos ou associações patronais, tem o direito de violar direitos fundamentais dos cidadãos.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 9-8-2019)