quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A morte da democracia pela vontade da maioria


A democracia é o único regime político conhecido que merece o nosso respeito porque é o único que nos respeita. A explicação é quase desnecessária, mas justifica-se nestes estranhos tempos que vivemos.

O princípio fundamental da democracia, que supera o importante princípio da vontade da maioria, consiste na consideração assumida de que todas as pessoas são livres e iguais, titulares de direitos que não podem ser violados.

É verdade que em nenhuma democracia este princípio é plenamente cumprido, havendo falhas, muitas vezes graves, mas é o princípio orientador fundamental, o seu norte.

Por isso, a democracia morre sempre que alguém que toma conta do poder, mesmo por vontade da maioria, defende princípios contrários à liberdade e igualdade, ou seja, princípios contrários ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.

É nesta medida que a vontade da maioria - já o dizia, no século XIX, Benjamin Constant - tem limites, e quando a maioria escolhe um não democrata para governar ou escolhe um parlamento que despreza os direitos fundamentais dos cidadãos constantes de catálogos de direitos como os da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que celebramos este ano os 70 anos, a maioria mata a democracia.

Situações destas podem suceder e sucedem à nossa volta em várias partes do mundo. Tenhamos consciência bem clara de que a escolha de um regime não democrático, por vontade da maioria, não é um exercício de democracia, é a violação dela. Quando tal acontecer, a minoria só tem um caminho: lutar contra ele.

E por que escolhe, por vezes, a maioria de um povo um regime que não mais se importa com o respeito pelos direitos humanos, nem com a vontade da maioria em futuras eleições, se as houver? As razões são muitas e complexas, mas frequentemente tal sucede porque em certos momentos históricos a razão não impera e porque os regimes democráticos existentes se afastam muitas vezes do seu norte, debilitando-se.

A democracia afirma-se pelo exemplo dado pelos governantes. Ao contrário do que frequentemente se afirma, a corrupção não faz parte da democracia, sendo antes uma patologia do exercício do poder que deve ser firmemente combatida em todos os domínios onde se manifeste.

A solução para estas situações de implantação de um regime não democrático não pode ser a sua aceitação, mas a luta renovada contra ele. A luta por um regime que respeite os direitos fundamentais de todas e cada uma das pessoas que é tão difícil, morosa e que tantos sacrifícios implica.




(Artigo de opinião publicado no Jornal Público de 31-10-2018)

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Cuidemos da nossa floresta!

Acabei de ler, na semana passada, a excelente publicação “A Gestão das Terras Florestais” de que é relator o Prof. Luís Valente de Oliveira, fruto da actividade de uma tertúlia de amigos com sede no Porto e que tem o curioso nome de “Tertúlia dos Carrancas”, por razões devidamente explicadas no livro (à venda nos quiosques por um preço acessível).
Em capítulos curtos e bem redigidos (a publicação tem no total 92 páginas), o leitor fica com uma visão abrangente das potencialidades e dos problemas da nossa floresta. Para além de uma boa análise, estamos perante uma obra que é um convite à acção para uma melhor floresta portuguesa.
Os problemas não são omitidos e são muitos, mas as potencialidades são maiores e temos uma riqueza que só por irresponsabilidade colectiva não aproveitamos como devíamos, para bem de todos os portugueses (proprietários e não proprietários). A tarefa não é fácil e exige atenção continuada, mas vale claramente a pena agir.
A sequência dos capítulos dá-nos muito bem ideia dos assuntos que são tratados. Abre com a “Evolução do Uso das Terras” (pp. 16-27), com atenção aos problemas mais recentes como o abandono das terras agrícolas, o desaparecimento das aldeias e a perda de vitalidade do mundo rural. Segue com um capítulo sobre “Legislação, Organização, Administração Pública e Planos Florestais” (pp. 27-38), que aborda entre outros o ordenamento do território, o regime florestal, os serviços florestais e os baldios.
O terceiro capítulo “A Terra, os Proprietários e suas Associações” (pp. 38-45) foca a questão do absentismo dos proprietários florestais, a “pulverização” da propriedade, a importância do associativismo e a urgência do cadastro predial. O capítulo quarto “Gestão Florestal, Silvopastorícia e Serviços de Ecossistemas” (pp. 46-54) versa, de um modo especial, sobre os recursos humanos e o profissionalismo na floresta.
Por sua vez, o capítulo quinto “A Política de Incentivos e Apoios Públicos” (pp. 55- 64) centra-se fundamentalmente na denominada “questão fiscal”. O sexto capítulo “Economia da Gestão Florestal e Indústria” (pp. 66-79) mostra-nos bem a riqueza que a floresta nos pode dar, se bem cuidada.

A importante questão dos incêndios “Fogos rurais, Redes e Sistemas de Protecção” ocupa o capítulo sétimo e é só de aplaudir que não surja nos primeiros capítulos, pois os incêndios são, em grande parte, consequência e não causa do estado da floresta que temos. É ao estado desta que devemos dar a primazia. O livro fecha com o capítulo “Conhecimento e Informação Florestal e Formação” (pp. 87-91). E não é verdade que conhecemos mal a nossa floresta e principalmente os seus problemas?

PS – Bem gostaríamos de escrever algo sobre a fragilidade da democracia (o fenómeno Bolsonaro), sobre a antiga Saboaria Confiança (onde trabalhou um dos juristas portugueses mais ilustres do século XX, o Professor João Baptista Machado), sobre a praxe (uma forma de violência e humilhação exercida sobre jovens estudantes do ensino superior), sobre a Semana Europeia da Democracia Local (cada ano em outubro por iniciativa do Conselho da Europa), sobre a recente visita da empresa (comunidade de trabalhadores) Vieira de Castro à Madeira e ainda outros, mas o tempo é pouco.

(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 11-10-2018)