Fala-se muito da greve como um direito sem mais, mas esquece-se a
origem das greves e não se pode esquecer. A greve constitui um direito
dos trabalhadores para defender os seus direitos e interesses perante
patrões que não os respeitam. Remonta ao tempo do começo da
industrialização em que não havia horário de trabalho, em que o trabalho
infantil era a regra e eram miseráveis as condições de higiene e de
segurança no trabalho.
Compreende-se, perfeitamente, essa luta dos trabalhadores pelos seus
direitos e o reconhecimento que foi progressivo e difícil do direito à
greve através da Constituição e da lei. Reconhecimento tanto mais
necessário quanto em certos regimes políticos esse direito era proibido.
Também se foi adquirindo, como óbvio, que a greve não deveria ser a
forma de luta primeira e que antes dela deveriam ocorrer negociações e
formas de chegar a acordo sem utilização da greve, pois esta é má para
quem a faz, principalmente quando deixa de ganhar dinheiro e má para o
empregador que vê diminuída a produção da sua empresa e o futuro da
mesma.
Ora, estas greves que envolvem fundamentalmente trabalhadores e
patrões nas empresas privadas não têm a mesma natureza que as greves na
função pública. Na função pública e, particularmente, nos serviços
públicos essenciais como a segurança, a saúde, a justiça, os transportes
e a educação ocorrem dois factos que não podem ser ignorados.
Por um lado, as greves nestes serviços não afectam apenas
trabalhadores e “patrões” (as aspas não são por acaso), afectam
especialmente os direitos dos cidadãos à segurança, à saúde, à justiça, à
educação e aos transportes, entre outros.
Por outro lado, na função pública, os “patrões” (órgãos do Estado)
são muito especiais, pois não lhes pertence o dinheiro que têm em seu
poder para resolver o que é mais comum das greves: exigência de
aumentos.
O dinheiro que têm em seu poder é fundamentalmente dos cidadãos que
pagam impostos e não o devem utilizar sem fazer o seguinte raciocínio:
os cidadãos querem que eu satisfaça todas as reivindicações que os
funcionários públicos exigem, sabendo que o dinheiro é escasso e que se
não houver cuidado as finanças públicas podem ficar desequilibradas, com
grave prejuízo para todos? Parece que não.
O “patrão” (Governo, empresa pública, autarquia local) tem de
ponderar. Os cidadãos exigem que os titulares do poder executivo
ponderem bem as decisões que tomam, até porque são mais de 500.000 os
funcionários públicos (trabalhadores da Administração Pública) e o que é
dado a uns é, mais cedo ou mais tarde, exigido pelos demais. Quem é que
na função pública considera que ganha bem?
Quem? Entretanto, em
situação de greve o “patrão”, nomeadamente o Estado, está sujeito a uma
pressão muito forte. São arremessados contra ele, entre outros, os
cidadãos doentes, aqueles que esperam por justiça, por segurança ou por
transportes.
O raciocínio é este: ou nos dão a nós trabalhadores o dinheiro que
queremos através de aumentos, de mais pessoal ou de melhor progressão
nas carreiras ou os cidadãos mais pobres (os outros vão-se arranjando
melhor ou pior) sofrerão, não beneficiando dos cuidados de saúde, dos
transportes, da justiça, do ensino, etc.. E o raciocínio dos grevistas
continua: porque o “patrão” não quer que os cidadãos sofram ele acaba
por ceder, até porque o dinheiro não lhe sai do bolso. Nestas greves, os
cidadãos são utilizados como instrumento para atingir os fins. Os
grevistas não respeitam os direitos fundamentais dos cidadãos.
Utilizam-nos em seu proveito.
Por isso, uma greve nos serviços públicos essenciais só pode ser
compreendida e acolhidas as pretensões que a determinou quando os
cidadãos se convencerem que a solução é incontroversa. Ou seja, os
cidadãos devem ser ouvidos. E como? Primeiro, informando-os claramente
do que está em jogo. Depois, demonstrando que o problema não foi
possível resolver por negociações que devem ser sérias e para isso
envolver mediadores ou mesmo árbitros, se houver acordo quanto ao
recurso a estes. Não deveria haver uma greve sem ocorrer primeiro uma
mediação feita por mediador conceituado A greve, sendo um direito deve
ser, pois, um último recurso e de tal modo que a ocorrer, a generalidade
dos cidadãos aceite os sacrifícios que ela lhes provoca. É preciso ter
sempre presente que só vai para a função pública quem quer! (E tanta
gente gostaria de lá estar!) Choca e ferem muito as greves que não
respeitam direitos fundamentais dos cidadãos e mais ainda as denominadas
“greves cirúrgicas” (pagas!) em que se pretende provocar o maior dano e
sofrimento nos cidadãos com o menor sacrifício para quem as decreta.
(Artigo de opinião publicado no Diário do Minho de 3-1-2019)
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