quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Contra-corrente

A corrente é o conformismo. É achar natural haver profundas desigualdades nas sociedades humanas.

Uns estão mergulhados em riquezas e luxos e outros a viver em dura pobreza, em casas pequenas sem condições de habitabilidade e a contar o dinheiro para sustento da família e para os remédios.

É a sorte de cada um. Conformemo-nos. Não estou desse lado, dessa corrente que me parece, apesar de tudo, ser largamente maioritária nos tempos de hoje.

Contra a corrente defendo que o luxo e a pobreza são igualmente detestáveis, defendo que precisamos de construir uma sociedade em que o luxo e a pobreza sejam combatidos.

A pobreza porque ofende a dignidade humana, exigindo esta que cada pessoa tenha as condições necessárias para ter uma vida decente.

O luxo porque afronta a pobreza e contribui para retirar a boa distribuição da riqueza.

Fomenta-a ao retirar-lhe bens. Estes bem repartidos dão para todos.

Continuam alguns a dizer que o problema não é haver ricos, mas haver pobres. É preciso eliminar a pobreza sem incomodar os ricos, dizem.

No entanto, esquecemo-nos que não há possibilidade, nem necessidade, de todos sermos ricos. A terra é generosa, mas não tanto que dê fortuna para todos. Acresce que precisa de ser bem tratada e não explorada, temos de cuidar bem dela, para que ela cuide de nós.

Uma vida de luxo implica viver para si, desinteressando-se dos outros. As desigualdades são o resultado de uma vida de competição (cada um trate de si) e não de cooperação (cuidemos uns dos outros).

Convictamente, há quem defenda, que cada um deve tratar de si e Deus de todos (dito popular), esquecendo que o mandamento divino é exatamente o contrário: cuidar do próximo como de nós mesmos. A diferença é total.

Mas isto é escrever contra a corrente? Claro que é! Olhem com olhos de ver a sociedade que temos à nossa volta.

É preciso dar exemplos concretos da nossa Terra, do nosso País, da Europa e do Mundo?

Exemplos do luxo que deveriam envergonhar quem o possui e, em vez disso, procura ainda mais.

Importa lutar, lutar sempre, para que o pão suficiente, a casa digna, a assistência na doença seja o direito de todos. Por outro lado, os iates, os automóveis de luxo, os jatos particulares, as joias caríssimas, as festas sumptuosas são, pelo contrário, manifestações claras de miséria humana de quem os goza.

(DM- 24-7-2025)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Um Direito Fundamental: a Justiça

              É muito difícil definir o que é a justiça, mas temos a experiência do que são as injustiças e a necessidade de as combater. Assim, na vida em sociedade, nós precisamos que haja quem faça justiça, não deixando esta nas mãos de quem é vítima, pois sabemos bem o que acontece em tais casos.

Cabe aos tribunais a administração da justiça. Trata-se de um enorme poder que lhes é atribuído, pois as nossas vidas (desde logo, a liberdade) e os nossos bens ficam nas mãos dos juízes.

A este enorme poder corresponde uma enorme responsabilidade e por isso se dotou a administração da justiça de um conjunto amplo de regras que estão consagradas na Constituição nos termos das quais  - e desde logo - os juízes têm a obrigação de ser  independentes e imparciais.

Mas também têm outro importante dever que é o de ditar sentenças em prazo razoável e fazê-las executar, pois de outro modo a sentença, mesmo sendo justa, de pouco ou nada serve. Todos sabemos disso e um grande jurista brasileiro, Ruy Barbosa, afirmava que “a justiça tardia é a injustiça institucionalizada”.

Assim se explica o cuidado de consagrar constitucionalmente como um direito fundamental dos cidadãos o direito a que “uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (artigo 20.º n.º 4).  Esse mesmo direito consta em formulação semelhante da Convenção  Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6.º, n.º 1).

Em Portugal, podemos dizer que este direito é, em boa parte, cumprido. Mas há sectores onde tal não sucede, prejudicando muito a imagem geral da nossa justiça e os direitos dos cidadãos.

É o que se passa, desde logo, na justiça administrativa e fiscal. Nesta, os atrasos nas sentenças são objecto de crítica  generalizada. Há também um domínio onde existem graves problemas que é o penal, importando, neste sector, ter em conta dois momentos: um primeiro momento de necessidade de justiça surge quando se levanta sobre um cidadão ou cidadã a suspeita - ou mesmo a afirmação - de ter cometido um crime. Quando tal sucede e a suspeita ou “incriminação” é pública e amplamente noticiada, ocupando as primeiras páginas dos jornais e a abertura dos noticiários, importa que se esclareça em prazo razoável se essa suspeita tem fundamento e então se avance para uma acusação, dando início a um processo judicial ou se se arquive o processo por falta de fundamento.

Note-se que neste momento o juiz não tem ainda intervenção, cabendo ao Ministério Público o importante poder de acusar ou arquivar. Cabe-lhe utilizar esse poder num sentido ou noutro também em tempo razoável, sob pena de se estar a cometer uma forte injustiça. A injustiça de ver pessoas submetidas a vexame público, sendo a sua reputação de pessoas dignas posta em causa, prejudicando a sua vida, seja esta no exercício de cargos públicos, no exercício da sua profissão ou noutras situações. Injustiça que permanece, mesmo quando os suspeitos são culpados e merecem ser condenados, pois estes têm o direito de serem julgados em tempo razoável para terem a possibilidade de, em caso de condenação, refazer a sua vida, após o cumprimento da pena.  

O segundo momento existe quando o Ministério Público avança para a acusação e o processo chega às mãos dos juízes, devendo estes, também em tempo razoável, decidir, fazendo justiça, a justiça possível, pois os tribunais podem errar. Os tribunais neste domínio não costumam demorar muito, mas nem sempre assim sucede, como é o caso, a título de exemplo, dos megaprocessos. Nestes, importa encontrar uma solução adequada, sempre possível, gerindo devidamente tais processos. O que não é de admitir é a resignação e, muito menos, a indiferença.

Em Portugal, fala-se há muito da crise da justiça e por alguma razão é. Atente-se nas numerosas condenações de Portugal no TEDH, por morosidade da justiça. Não por acaso, surgiu recentemente um Manifesto abordando este problema. O Manifesto para a Reforma da Justiça tem sido objecto de crítica, o que é natural numa sociedade livre. No entanto, dificilmente se encontra um documento que reúna pela sua subscrição pessoas de tão diversas correntes de opinião. Quem duvide deve ler o nome dos 150 subscritores do documento e verá que em vão poderá ligá-los a uma só corrente política, religiosa, profissional ou qualquer outra. O que une estas pessoas ( e muitas outras, que apenas por razões circunstanciais, não tiveram a oportunidade de o subscrever)  é  o desejo de que a nossa justiça funcione bem e assim tem actuado.

Percebeu bem isso o Presidente  do Tribunal da Relação de Guimarães, Juiz -Desembargador  António Sobrinho, que, no passado sábado,  dia 24 de Maio de 2025,  a pedido de alguns  subscritores do Manifesto,  abriu as portas do Tribunal a que preside,  para a apresentação  do livro “Pela Reforma da Justiça: o Manifesto dos 50 e o debate público sobre a agenda da reforma” e  se debaterem problemas da justiça,  com intervenções  do Professor Vital Moreira e do Advogado Dr. André Coelho Lima, ambos subscritores do Manifesto. O Presidente do Tribunal não deixou de fazer também considerações que entendeu pertinentes.

Foi uma sessão não muito participada, em termos de presenças, mas em contrapartida muito rica pelo conteúdo das intervenções e muito participada em sede de  intervenções dos presentes, na fase do debate que ocorreu.

Lutar por uma melhor  justiça é um dever constante de todos nós.

(DM-29-5-25)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

O Dinheiro é Lindo!

             Vivemos, em Portugal,  numa sociedade em que o dinheiro é deus e senhor!

E, no entanto,  teimamos em dizer que esta sociedade e civilização  é fundamentalmente cristã. Não! É claramente uma sociedade pagã. Em qualquer conversa banal depois da saúde ( e principalmente  se não a tivermos) é o dinheiro que domina.

Todos achamos que temos pouco e é bem verdade que a enorme maioria dos portugueses precisa de um pouco mais de dinheiro para ter uma vida melhor. Mas exageramos. Não nos contentamos com ter o suficiente para a alimentação e vestuário , uma habitação  condigna e um automóvel médio para deslocações e viagens que precisamos de fazer. Queremos mais. Quase somos insaciáveis. Queremos um melhor automóvel, uma melhor habitação, férias no estrangeiro e tantas coisas mais,  muitas vezes desnecessárias. E para isso é preciso dinheiro e eis-nos a  queixarmo-nos  da falta dele.

E procurámo-lo a pensar na melhor forma de o obter, seja no trabalho duro, por vezes  em duplo emprego, outras vezes em negócios que esperamos dar bom dinheiro  e no jogo (tornado vício)  entre outros meios, muitas vezes merecedores de crítica. O dinheiro nunca nos parece muito. Nem para os ricos que não param de acumular riquezas. As excepções são raras.

Tivemos um bom exemplo disso na recente desistência de um consultor do Banco de Portugal nomeado para exercer as funções de secretário-geral do Governo com a finalidade de coordenar o apoio a este, obtendo maior eficiência e qualidade do serviço público. Desistiu porque estava a ganhar mais de 15.000 euros mensais  e ia passar a ganhar pouco mais de 5.000 euros.

O raciocínio foi certamente rápido entre ganhar 5.000 euros para contribuir para melhor servir o país, sujeitando-se a críticas  e continuar a ganhar 15.000 euros num  cómodo lugar do Banco de Portugal não há que hesitar. O dinheiro está primeiro.

Este português não fez mais do que faria, infelizmente, a grande maioria dos portugueses. Primeiro estamos nós e o nosso bem estar (e o dinheiro faz muito jeito). E, no entanto, numa sociedade moldada pelos valores cristãos não haveria que hesitar. Entre servir o bem comum, por algum tempo, mantendo uma vida digna (5.000 euros mensais é mesmo pouco?) e amontoar dinheiro (quantos portugueses - trabalhadores ou empresários -  ganham 15.000 euros por mês?) a decisão não oferece dúvidas.

E teimamos em dizer que vivemos numa sociedade cristã. Pode ser cristã nos ritos religiosos da maioria dos portugueses, mas não passa disso. É cristã na superfície, profundamente pagã no essencial.

Sociedade cristã é aquela em que as pessoas se contentam com o essencial para uma vida digna e que em vez de olharem para cima, ambicionando mais riqueza, olham para baixo para os que necessitam, procurando ajudá-los.

(DM - 2-1-2025)